domingo, 20 de agosto de 2023

A Noite das Nacionalidades

Tal como qualquer ser humano que se preze, a primeira coisa que eu disse quando passamos pela porta da sala e segurei as gatas para que elas não fugissem foi: "Pode entrar, só não repara na bagunça. A casa não é lá grande coisa, mas fica à vontade.", sentindo-me um verdadeiro orgulho para a nação brasileira raiz. Mas, a verdade é que a casa nem estava tão bagunçada, visto que passei a semana toda a mantendo o mais organizada possível e, na manhã daquele mesmo dia, me dediquei à faxina dos cômodos como não fazia há um bom tempo.

Enquanto eu guardava as compras que havíamos feito para a nossa "noite das nacionalidades", ela analisava o ambiente com um olhar curioso, mas que beirava a ansiedade. Ainda que o objetivo daquele date fosse cozinharmos comidas de diversas "regiões" diferentes, a iminência do que poderia acontecer entre nós naquela noite preenchia cada milímetro da atmosfera que nos rodeava. A ideia de, já no terceiro encontro, darmos um passo tão grande como aquele que, possivelmente, seria dado nos assustava e nos deixava com um pouco de medo. Não bastasse esse misto de sentimentos, ainda havia uma voz dentro de mim que insistia em me sabotar, implantando pensamentos na minha cabeça e me lembrando que minha inexperiência no assunto poderia estragar aquele que precisava ser o melhor de todos os dates do universo. 

Após arrumar as compras, apresentei-lhe o restante da casa e pedi-lhe alguns minutos para passar uma água no corpo e tirar o suor que, inevitavelmente, cobria minha pele após poucos movimentos naquele dia quente de fevereiro. Então, segui para o quarto com o intuito de escolher uma roupa provocante o suficiente para instigá-la, mas recatada o bastante para não levá-la a dar passos maiores do que realmente desejava. 

Sentada na cama, enquanto separava a roupa escolhida para a noite, me lembrava da conversa que havia tido com uma amiga ao longo da semana, quando a chamei para partilhar alguns dos meus muitos anseios em relação àquele date. Entre eles estava o receio daquela garota de cabelos cacheados e voz doce pertencer a uma quadrilha que invade e rouba casas, tendo como tática a sedução de mulheres. Na minha cabeça, aquela hipótese era totalmente plausível e, por aquele motivo, eu não poderia deixá-la sozinha para ir tomar banho: afinal, o que me garantia que ela não se aproveitaria daquela situação para mapear todos os meus pertences e repassar aos seus cúmplices? Absolutamente nada, mas, ainda assim, me levantei e segui para o banheiro com toda a determinação que me era possível em meio às minhas paranoias infundadas. 

A verdade é que, a depender de mim, eu seguiria o conselho dado por essa mesma amiga e a convidaria para tomar um banho. Queria que ela estivesse ali dentro comigo, mas, ao mesmo tempo, não gostaria de parecer afobada, tampouco pular etapas do que quer que fosse se desenrolar nas próximas horas, pois, de novo, não queria tomar nenhuma atitude que a pressionasse a fazer algo que não estivesse à vontade. 

O fato de, ao longo das nossas trocas de mensagem, termos conversado muito pouco acerca de nossas experiências com outras pessoas não ajudava a melhorar a tensão que eu sentia. Em momento algum pensamos que alinhar expectativas, desejos, interesses e preferências pudesse ser uma boa ideia. Na verdade, isso até passara pela minha cabeça, mas, a meu ver, existia uma barreira na qual ela preferia se manter reservada e resguardada. Apesar de achar poético o conceito de descobrir na prática aquilo que provoca arrepios na pele do outro, sempre fui adepta às conversas difíceis, pois acredito que lançar-se cegamente em direção a certas experiências pode ser um tanto catastrófico.

Absorta em meio a todos esses pensamentos, finalizei meu banho, me sequei, me enrolei na toalha e voltei para o quarto para me trocar. Vesti a roupa que eu havia escolhido poucos minutos antes: minha calcinha rendada favorita, meu sutiã com transparência e um short curto e soltinho. Contudo, eu seguia na dúvida sobre qual blusa usar. Encarando a gaveta, analisei uma, mexi em outra, cheirei uma terceira e, alheia ao mundo externo, sequer percebi sua presença encostada na moldura da porta. Envergonhada por ser flagrada naquela situação, peguei uma regatinha preta com listras brancas que adoro e a vesti rapidamente, sorrindo acanhada para aquela mulher que eu tanto desejava. 

A tensão sexual no ambiente era tão evidente que não demorou para que ela se aproximasse, constrangida, e me enlaçasse com seus braços. Primeiramente, ela se encaixou entre as minhas pernas e começou a me beijar suavemente, mas conforme nosso beijo se intensificou, recuei no sentido do meio da cama, dando espaço para que ela sentasse em meu colo.

Em meio aquele beijo cada vez mais instigante, trocamos carícias e exploramos trechos de pele uma da outra que ansiávamos em conhecer desde aquele fim de tarde, pós-expediente, no Calçadão Urbanoide. Naquele misto de beijos, de carinhos e de suspiros contidos, sequer notamos os movimentos que já havíamos feito pela cama, levando-me a deitar e a ajeitá-la perfeitamente sobre mim, me dando acesso total a cada parte do seu corpo. Àquela altura, já estávamos despidas de nossas blusas e, num lapso de contenção dos meus desejos, admirei as curvas dos seus seios pequenos, o desenho de sua cintura, as linhas da sua clavícula, seu umbigo e toda a extensão do seu corpo que estava a mostra.

Com aquela mulher em cima de mim, ficava cada vez mais difícil domar minha vontade de jogá-la sobre a cama para arrancar cada peça de roupa que ainda lhe restava no corpo e senti-la por inteiro, de todas as formas que fossem possíveis. Na tentativa de me controlar, quebrei o clima que nos rodeava sugerindo que jogássemos um boardgame e, depois de mostrar todas as opções disponíveis (incluindo os jogos de cunho sexual), escolhemos um cardgame chamado Dungeons & Drinks, pois, de acordo com ela, seria necessário um pouco de álcool para que ela topasse partir pro Jogo das Intenções. Sendo assim, voltamos à cozinha para preparar nossas bebidas, pois, como o nome mesmo dizia, para jogarmos ele do jeito certo não poderiam faltar alguns drinks.

Enquanto preparávamos nossas caipirinhas de saquê de morango com energético de melancia, trocávamos olhares e beijos a todo o momento, quase como se houvesse algo que nos atraísse uma para a outra. Com os drinks prontos, fomos pro quarto, lemos as regras e seguimos com o preparo para começarmos o jogo.

Depois de inúmeras rodadas, de incontáveis goles em nossas bebidas, de muitos risos e da sorte de principiante que estava ao lado dela, encerramos aquela partida tendo-a como vencedora, para a tristeza do meu "eu" competitivo. Tal como um irmão mais velho rabugento, jurei de pé junto que havia permitido que ela ganhasse, já que era sua primeira vez, mas nós duas sabíamos que eu estava apenas blefando. 

Terminando Dungeons & Drinks e tendo, praticamente, esvaziado nossos copos de caipirinha, questionei se já havíamos consumido álcool o suficiente para deixá-la confortável para partirmos pro Jogo das Intenções. Para fins de contexto, ele se trata de um cardgame simplista cujo objetivo é ajudar os participantes a quebrar o gelo em um primeiro encontro sexual. Seu baralho possui inúmeras perguntas divididas em quatro categorias: as preliminares, para iniciar a conversa íntima; a safadeza, para revelar fantasias e fetiches; a ação, para fazer coisas com as pessoas envolvidas; e a escape, para fugir de uma alguma carta que lhe cause desconforto. 

Dado o álcool consumido, decidimos que estávamos aptas a começar o Jogo das Intenções. De início, nos ativemos às cartas de preliminares, visto que sabíamos muito pouco sobre as preferências uma da outra. Ou seja, aquelas cartas nos dariam um norte quanto aos próximos passos a serem dados e contribuiriam para que eventuais limites fossem estabelecidos. 

Contudo, para a minha surpresa, passadas algumas cartas do baralho mais brando, ela tomou a iniciativa de partir para as perguntas de safadeza, fazendo com que a tensão sexual existente entre nós voltasse a ficar palpável e irresistível. Então, pouco a pouco, de forma lenta e sorrateira, fomos nos aproximando. Entre uma carta e outra, trocávamos beijos que ficavam cada vez mais quentes e mais urgentes. Não demorou para que, sem querer, como quem não quer nada, retirássemos a primeira pergunta do monte mais convidativo do baralho: o de ação. 

Ao contrário do que seria esperado àquela altura da brincadeira, ainda estávamos com todas as peças de roupa no corpo, com exceção das camisetas que foram retiradas logo no início da noite. Por mais frustrante que aquela situação pudesse parecer, afinal, já estávamos juntas, a sós, há um bom tempo e poderíamos ter nos despido, também, há um bom tempo, a meu ver, as ações propostas por aquele deck vermelho nos levariam às melhores maneiras de nos desnudarmos.

Por motivos óbvios, sou incapaz de me lembrar quais foram as cartas que lemos uma para a outra, mas me lembro com exatidão como o encontro dos nossos corpos era eletrizante. Não me recordo em qual sequência nossas peças de roupas foram arrancadas, mas lembro da sensação experienciada ao deslizar minhas mãos por cada milimetro do corpo dela. Tampouco sei dizer em que momento deixamos o Jogo das Intenções de lado e tomamos as rédeas da situação, mas sei como me senti ao vê-la nua, pela primeira vez, bem na minha frente. Entretanto, dentre todas as maravilhas daquela noite que ficaram registradas em minha mente, a reação dela ao arsenal de sex toys que, inesperadamente, retirei do meu guarda-roupa se tornou, de longe, uma das minhas lembranças favoritas.

Despidas, não apenas de nossas roupas, mas de nossos pudores, nos embrenhamos no corpo uma da outra em busca de tudo aquilo que vínhamos esperando daquele date. Era inebriante a maneira como ela fechava os olhos, mordia os lábios, pronunciava meu nome entre suspiros e gemia. E, vagarosamente, nos demos o direito de nos deleitarmos, uma por vez, com cada parte do corpo uma da outra: perpassando pela boca, pelo pescoço, pelos seios rígidos, pela barriga, indo para os pés, para virmos subindo pelos joelhos, pelas coxas, até chegarmos, finalmente, aos lábios molhados e expostos em meio às pernas abertas.

Tendo-a inteiramente para mim, vulnerável a todo o prazer que eu estivesse disposta a lhe proporcionar, não havia sensação melhor do que senti-la em minha língua e deliciar-me com o mel que lhe escorria, tal como uma cachoeira, facilitando a entrada dos meus dedos em seu íntimo. Naquele momento, só conseguia me questionar porque não havia uma cintaralha, dentre todos os apetrechos sexuais que coleciono, que me permitisse penetrá-la calma, mas profundamente.

Contudo, não seria aquilo que me impediria de levá-la ao ápice. Fosse com o rabbit, com a varinha, com os prendedores de mamilos, com os plugs, com as amarras, com a venda ou, simples e meramente, com meu próprio corpo e tudo que ele tinha a me oferecer como recurso: eu lhe proporcionaria o êxtase máximo, pois mulher alguma merecia menos do que isso ao entregar-se a outra pessoa na cama.

E, assim, foi feito.

Naquela noite, permitimos que nossos anseios respondessem por nós e experimentamos tudo aquilo que nossos corpos tinham vontade. Para além disso, nos entregamos a desejos que nunca haviam se passado por nossas cabeças e que nem imaginávamos serem possíveis de realizar. Entre beijos e toques, entre chupadas e apalpadas, entre sorrisos e olhares, entre gemidos e suspiros, chegamos ao limite: tanto juntas, quanto separadas.

Naquela noite, tendo posse de seu corpo, de suas curvas e tendo sentido seu sabor de formas distintas, avancei alguns passos no que diz respeito às dúvidas que, eventualmente, me dominavam. Ali, em meio aos encontros que tivemos, ficou nítido: eu estava no caminho certo.


Gabrielle Colturato

4 comentários:

  1. Muito talento para uma só pessoa <3

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  2. Preciso admitir que tão especial quanto viver esse momento com você, é revive-lo através da sua ótica, pela sua escrita:)

    Que essa nova fase de retomada a escrita não acabe, porque ver o mundo através do seus olhos é incrível!

    Você é muito talentosa, bibis, e obrigada por viver esse dia comigo <3

    Ps: Espero que você não acredite mais na teoria de essa mulher de cabelos cacheados (eu) faça parte de uma quadrilha que assalta casas através da sedução, até porque quem saiu rendida esse dia fui eu rs

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    1. Que privilégio foi poder vivenciar esse momento contigo! Inclusive, saudades! <3

      A retomada da escrita veio e já se foi kkkk Devagar e sempre, vamos seguindo conforme dá.

      P.S.: Ainda acredito, sim, que essa mulher de cabelos cacheados faça parte de uma quadrilha que assalta casas por meio da sedução, afinal, você roubou meu coração u.u

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