domingo, 23 de fevereiro de 2014

Submerso em Gelo

Seus cabelos escuros escorriam junto à curvatura definida de seu corpo nu. Tinha uma pele pálida e meio azulada devido as veias aparentes, e seus lábios carnudos deixavam-na com uma fisionomia vulgar. Havia me seduzido em uma mesa de bar, parecendo uma prostituta suja e barata, com mentirosos olhos azuis que mostravam inocência, ao contrario do que sua saia justa aparentava...

Agora, deitado nessa cama fétida de motel, observando-a, percebo a rigidez e tensão presente em sua feição, mesmo com a péssima iluminação que os postes do outro lado da rua me fornecem. Seus traços tensos mostram-me que me precipitei ao achar que essa deslumbrante mulher fosse uma prostituta medíocre. Começando que esta longe de ser uma puta, e se fosse, estaria mais longe ainda de ser uma meretriz de má qualidade.

Naquela mesa de bar revelou mais de si em uma hora, do que minha ex-mulher revelara em sete anos. Acabei descobrindo que, na realidade, nojenta mesmo era sua historia, e não ela. Se aquela mulher fosse podre como imaginei que fosse, teria cedido em minha primeira tentativa de leva-la para um lugar qualquer para poder comê-la, entretanto só acabou cedendo depois de diversas tentativas.

Acabei permitindo-me ser guiado para este lugar malcheiroso ao qual ela chama de "lar". Um motelzinho barato, próximo ao bar em que havíamos nos conhecido mais cedo, onde morava graças a uma "troca de favores".

Levanto-me cuidadosamente da cama e visto minha cueca. Esse seria o momento ideal para pegar minhas coisas e dar o fora daquele lugar, porém algo aqui me dizia para ficar, para deitar naquela cama e aguardar ela acordar.

Penso. E por fim decido ficar. Porém, antes de voltar à cama, acendo um cigarro e fuço na geladeira na esperança de encontrar, pelo menos, algumas latas de cerveja. Iludido. Geladeira vazia. Termino meu cigarro. São quase quatro da manhã. Deito-me na cama o mais próximo possível daquele corpo delicioso, do qual esperava poder degustar mais tarde novamente. Pensando nisso, lembro-me que não sei o nome dela, porém acabo pegando no sono e esquecendo esse mero detalhe. Descubro quando acordarmos.

     ...
     ...
     ...

Quando entreabro meus olhos, sinto-me fraco, e... E gelado. Tento levantar, mas sinto-me indisposto. Abro meus olhos por inteiro, e dou-me conta daquele cenário horripilante. Estou imerso em gelo. Ao tentar me mexer novamente, sinto uma dor enlouquecedora. Estou dentro de uma banheira de motel submerso em gelo.

Consigo ver a porta entreaberta, e com grande esforço tento escutar algo, e vagamente escuto. Parece a voz da deslumbrante e sedutora mulher com quem passei a noite. Aparentemente esta cochichando ao telefone. Tento chama-la, mas meu esforço é em vão, porém, vindo do vão da porta, ouço:

"— Os rins já foram agora só falta tirar o resto dos órgãos que nos podem ser úteis". 

Dou um suspiro após dar-me conta do que fui vítima. Traficante de órgãos. E antes de fechar os olhos novamente, sussurro para mim mesmo: "— Antes tivesse caído fora daqui enquanto essa filha da puta dormia".


Gabrielle Colturato

Nenhum comentário:

Postar um comentário